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Marcelo P. Marques

(1956-2016)

“Como é sabido, o texto platônico é um diálogo vivo e direto com e contra a poesia trágica, o enfrentamento de cuja psicologia suscita a pretensão de superação das contradições inerentes à ação humana. A tragédia é uma tomada de consciência das contradições que atravessam o direito, a ética e a religião. Platão é crítico da religião cívica, na medida em que ela é tanto sustentada pela ficção dos poetas como defendida pela prática jurídica dos tribunais, sejam eles, democráticos ou oligárquicos. O esforço de Platão é delimitar conceitualmente a multiplicidade das formas da injustiça, e ele o faz tanto dramática quanto argumentativamente. Para construir argumentativamente os fundamentos inteligíveis de uma justiça reguladora, ele elabora uma teoria da alma, que, com suas virtudes e seus desvios, fornece uma unificação teórica inédita a uma multiplicidade ilimitada de figurações do erro ou da falta – a injustiça, a impiedade, a intemperança, a feiúra, o desequilíbrio, a ira, o medo, o prazer sem limites, a dor, a inveja, os apetites desregrados –, lista de males atribuídos à exaustão, nos livros VIII e IX, à configuração tirânica da alma. Faz parte da originalidade da República desenvolver esse imenso esforço argumentativo de modo dramático, ou seja, encarnado no que proponho chamar de "encenação trágica" da figura do tirano".

MARQUES, M. P. A encenação do poder tirânico. Sobre República IX. In: PALUMBO, Lídia (A cura di) Lógon didónai. La filosofia come esercízio del render ragione. Studi in onore di Giovanni Casertano. Napoli: Loffredo Editore, 2011, p. 505-506.

A homenagem do POIESIS – Grupo de Pesquisa em Filosofia Antiga e Recepção da Universidade Federal do Pará, a Marcelo Pimenta Marques (1956-2016), professor da UFMG, representa o reconhecimento deste que foi o seu maior interlocutor e um leitor incansável e refinado da República, destacando-se a extensa publicação em torno do diálogo platônico para o qual sempre retornava.

Na Homenagem a Marcelo Marques, leitor da República, resgato a própria memória dos eventos organizados pelo POIESIS, tecidos com sua generosa contribuição. O primeiro deles foi o Seminário de Filosofia Antiga – Prazer e Reflexão em Platão, em 19 e 20 de abril de 2012. Nas duas edições do evento que agora propomos contamos novamente com sua preciosa colaboração. Convidado para o I Simpósio Internacional Filosofia e Literatura. Platão, arte e poesia, de 12 a 14 de novembro de 2014, dispôs-se a vir com recursos próprios, por estar em licença para pós-doutoramento em Campinas. No dia marcado para a chegada a Belém, Átropos implacavelmente atravessou seu caminho. A perda de seu querido pai, impossibilitou a sua presença entre nós, mas desde então passamos a pensar juntos o II Simpósio Internacional Filosofia e Literatura. República e Recepção. O tema surgiu a partir da expectativa do lançamento da edição bilíngue do diálogo editado pela UFPA, previsto para final de 2015, ou no máximo início de 2016. O atraso da publicação propiciou uma nova ação de Átropos, e um novo desencontro, no entanto não podemos deixar de agradecer sua presença marcante e seus ensinamentos, que foram determinantes para a consolidação do grupo de Filosofia Antiga da UFPA. Sempre predisposto a ajudar, mesmo debilitado insistiu em manter-se como Avaliador Externo no Exame de Qualificação de um membro do POIESIS, Matheus Pamplona, nos últimos dias de junho de 2016.

Jamais esquecerei o generoso acolhimento em novembro de 2015, quando em meio a SBEC de Mariana, me senti destroçada pela notícia de mais uma ação de Átropos, ceifando intempestivamente o fio da vida de um “poietico” de alma, Rafael Sales, sempre presente na memória afetiva do POIESIS.

Homenagear um amigo ausente é torna-lo presente, por meio do resgate da vivência dessa amizade, marcada pela mescla entre a afinidade e a reciprocidade, a gentileza e hospitalidade, o humor e a seriedade, a paixão e o prazer da conversa, aliados ao cuidado com o outro, ao desejo pelo bem e pelo belo. Mas homenagear é também agradecer cada palavra de estímulo e conforto compartilhada. A inquietude e o anseio por um novo reencontro, desde o primeiro, na orientação da Dissertação do Mestrado sobre a República, ainda são grandes, a conversa sobre Alcibíades ainda não foi finalizada, as últimas novidades ainda não foram contadas. A carência pela ausência de um mestre e amigo tão querido, me transporta ao canto melancólico de Milton Nascimento: “O que foi feito, amigo, de tudo que a gente sonhou. O que foi feito da vida, o que foi feito do amor [...]”. Um viva a Marcelo Marques, leitor da República!

Belém, 25 de setembro de 2017

Jovelina Ramos

© 2017 por POIESIS - Grupo de Pesquisa em Filosofia Antiga e Recepção

Contatos: poiesisufpa@gmail.com 

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