
Resumos
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Conferências
O elogio da justiça e a urgência da filosofia no livro II da República de Platão
Antonio Orlando O. Dourado Lopes, Letras, UFMG
Dando sequência à conversa atribulada com Trasímaco, o pedido de Gláucon e de Adimanto para que Sócrates elogie a justiça guiará o diálogo do início do livro II da República em diante. No entanto, para Sócrates a necessidade de se elogiar a justiça não somente parece ser anterior a qualquer outra necessidade, mas, surpreendentemente, também ao próprio conhecimento da definição da justiça: “Com efeito, não tenho como ajudá-la, pois parece ser-me impossível; e o sinal disso é que, dizendo a Trasímaco aquilo que eu supunha que demonstraria que a justiça é melhor do que a injustiça, vocês não o acolheram de mim; e, por outro lado, também não tenho como não ajudá-la: temo, com efeito, não ser de modo algum respeitoso aos deuses (oud'hosion) se, estando eu presente quando ofendem a justiça, recusar-me e não ajudá-la enquanto ainda puder respirar e emitir um som. Portanto, o mais importante é vir em seu socorro (epikourein autēi) tanto quanto possa” (368a2-4). Desenvolverei nesta apresentação os aspectos da argumentação da República que revelam os contornos e as especificidades da compreensão platônica de uma racionalidade filosófica.
Governo e navegação: a apropriação de uma imagem poética pela República de Platão
Carolina de Melo Bomfim Araújo, Filosofia, UFRJ
Essa conferência tem como propósito inserir uma imagem platônica no contexto da tradição literária grega, qual seja, a que, apresentada no sexto livro da República, traz um navio como um símile da cidade. Começamos por uma breve exposição dos elementos que a compõem para, logo em seguida, concentrarmo-nos nas indicações que ela traz sobre a figura do kubernetes, o piloto, termo que foi traduzido por Cícero com o neologismo, gubernartor, origem de nosso termo “governante”. A análise do que aí propriamente se considera como a atividade do governo nos levará à conclusão de que deve ser nuançada a leitura de que se trata aqui de um argumento contra a democracia. O que se propõe com a nau-estado é um certo procedimento como característico da ação política. A segunda parte da conferência pretende fazer uma certa arqueologia da imagem política do kubernetes em alguns autores antigos, como Arquíloco, Teógnis, Baquílides, Ésquilo e Eurípides. A intenção é mostrar que o uso platônico é a glosa de um mote histórico e que sua contribuição à questão é bem mais limitada do que se quis indicar.
A República como fábula poética
Francisco J. Gonzalez, Filosofia, University of Ottawa
Em determinado ponto, ao estabelecer as diretrizes a serem seguidas pelos poetas na República ideal, Sócrates explica o seu papel, bem como o de seus interlocutores, do seguinte modo: “Adimanto, você e eu não somos poetas nesse momento, mas fundadores de cidade. Cabe aos fundadores de cidade conhecer as diretrizes gerais segundo as quais os poetas precisam contar histórias – de modo que se eles compuserem fora delas, não serão aceitos –, mas não cabe aos fundadores de cidade compor histórias [ποιητἐον μύθους]” (378d7-379a4). Seria um eufemismo chamar esta de uma declaração estranha, e não apenas devido à sua sugestão de que Sócrates e Adimanto poderiam ser poetas em algum outro momento. O fato é que Sócrates e Adimanto não estão fundando uma cidade real, mas apenas o que Sócrates ele mesmo chamará de uma cidade no discurso (472d9-10, 592a10), de modo que contar histórias é precisamente o que eles estão fazendo. Com efeito, Sócrates, pouco antes disso, introduz o seu argumento sobre a educação dos guardiões do seguinte modo: “Venham então, e como se eles estivessem em uma história e nós estivéssemos contando a história [ὥσπερ ἐν μύθῳ μυθογοῦντες] e mantendo o ócio, eduquemos esses homens em nosso discurso” (376d9-10). O “como se” é mais uma vez altamente irônico, já que os guardiões cuja educação estão prestes a descrever “estão” em uma história e Sócrates está precisamente contando uma história sobre eles. Sócrates portanto apenas finge fazer algo diferente de Homero quando critica este último no livro X por ser um mero imitador ao não ter fundado ou legislado sobre nenhuma cidade atual (599e), “como se” Sócrates, por contraste, não estivesse meramente imitando o legislador. Em suma, a distinção de Sócrates entre o que ele está fazendo e o que os poetas fazem é em si mesma uma fabricação poética. O que eu gostaria de considerar neste artigo são as implicações desse fato. Se Sócrates está contando uma história (e de fato em dois níveis, já que ele não apenas está contando a história interna ao diálogo, mas é também o narrador do diálogo), devemos entender essa história segundo as diretrizes que o próprio Sócrates estabelece para histórias? Nesse caso, deve a cidade em discurso de Sócrates ser entendida como tendo o propósito que ele sustenta que devem ter as histórias contadas aos guardiões, i.e., aperfeiçoar os seus caracteres (e nesse caso os caracteres de Gláucon e Adimanto assim como o do leitor), quer sejam verdadeiros ou falsos? Seria a própria República a “nobre mentira” de Sócrates? Note-se que isso não implicaria que a história que Sócrates conta sobre a cidade ideal é simplesmente falsa, dado que a ‘nobre mentira’ ela mesma apresenta, em uma imagem que não deve ser tomada literalmente, uma verdade séria e importante. Deve a própria República ser lida assim? Se esse é o caso, isso explicaria por que Sócrates nos adverte em momentos cruciais de sua história de que o que ele diz pode conter alguma falsidade. O argumento sobre o homem justo e a cidade justa no livro IV é apresentado como “não parecendo ser uma completa mentira”(πάνυ τι ψευδεσθαι, 444a6). Ele introduz o seu argumento das três ondas de paradoxo no livro V ao expressar o seu medo de enganar seus interlocutores sobre o que é justo, bom e belo, algo que seria pior do que um assassinato (451a6-7). Ele introduz o seu argumento sobre o bem, através de três grandes analogias, novamente ao expressar o seu medo de involuntariamente enganar seus interlocutores (507a4). Podemos, naturalmente, inclinar-nos a desconsiderar todas essas declarações como meramente irônicas, mas Sócrates pode, ao invés disso, estar nos contando algo importante sobre como devemos receber a história que ele está contando.
Entre palavras e imagens: Platão cinematógrafo
Maria Cecília de Miranda Nogueira Coelho, Filosofia, UFMG
Neste meu texto pretendo examinar, concomitantemente, alguns aspectos do estatuto das palavras e imagens em Platão, no contexto da crítica platônica aos poetas e aos produtores de (falsas) imagens e analogia entre visão e conhecimento, por meio da análise de excertos dos diálogos República e do Primeiro Alcibíades, mostrando como a arte cinematográfica foi criticada a partir de uma tradição platônica que vê o cinema como elemento por excelência da ilusão (apate) poética, mas, ao mesmo tempo, ela foi, também, utilizada como meio para mostrar a permanência de imagens e discursos platônicos na contemporaneidade. Para tanto, serão analisados excertos de quatro filmes: Fahrenheit 451, O Conformista, Um olhar a cada dia, Dente Canino.
A justiça em verso e em prosa: Hesíodo, precursor dos Pré-Socráticos
Miriam Campolina Diniz Peixoto, Filosofia, UFMG
Que a poesia de Hesíodo antecipa muitos dos temas e problemas que viriam a se tornar objeto da especulação e da investigação filosófica no seu primeiro século, não é algo difícil de se constatar ao se confrontar os versos de seus dois principais poemas, a Teogonia e os Trabalhos e Dias, respectivamente, com algumas cosmologias e com as incipientes reflexões éticas presentes entre os filósofos anteriores a Platão. Até mesmo Aristóteles, ao proceder ao exame das doutrinas de seus predecessores, não hesita em relacionar Hesíodo entre os primeiros filósofos no livro A’ da Metafísica. O que pretendemos no quadro de nossa exposição é acenar para a importância de que se reveste a reflexão de Hesíodo sobre a justiça, emanada de sua avaliação da conjuntura social e política de sua época, no processo de transição que se observa na virada do período arcaico para o clássico no que diz respeito à concepção de justiça. Sem negligenciar as diferenças e singularidades de cada um dos gêneros literários, interessa-nos estabelecer um diálogo entre estas duas tradições que, aos nossos olhos, constitui um terreno fértil e promissor para o entendimento das tensões e motivações que inspiram ambas em seu empreendimento reflexivo. Para tanto, iremos confrontar os versos dos Trabalhos e dias de Hesíodo com testemunhos escolhidos de Anaximandro, Heráclito e Demócrito, e esperamos mostrar com isso o quanto a poesia de Hesíodo constitui um apanhado lúcido e eloquente acerca dos limites e das ambiguidades presentes no modo como se concebe e se pratica a justiça, delineando os impasses que lhe rodeiam, e circunscrevendo aquele que viria a ser um dos temas de interesse de alguns dos filósofos pré-socráticos.
Burnet vs. Slings: variações textuais relevantes para a tradução da República
Rodolfo Lopes, Filosofia, UNB
A apresentação, que está inserida no projecto de tradução crítica da República de Platão, terá por tema/problema principal a reconstituição crítica do texto deste diálogo, tendo em vista a sua versão para língua portuguesa. A abordagem passará pela descrição e comparação das duas edições consideradas canónicas pela maioria dos estudiosos: a de John Burnet (Platonis Respublica. Oxonii, 1902; Platonis opera, vol. IV. Oxonii, 1905) e a de Siem Slings (Platonis Respublica. Oxonii, 2003), ambas publicadas (com cerca de um século de diferença) na Oxford Classical Texts. Antes disso, todavia, começarei por fornecer uma breve explicação do modo como as fontes textuais do diálogo foram mantidas e transmitidas ao longo dos séculos, passando depois à reconstituição do status quaestionis, tendo em vista a classificação de todo o material e, especialmente, o estabelecimento das fontes primárias. Tomarei como obras de referência os principais resultados do projecto editorial “Text edition of Plato’s eighth tetralogy” iniciado em 1977 por Siem Slings, cujo primeiro fruto foi a tese de doutorado do próprio Slings sobre o texto do Clitofonte, defendida em 1981 e mais tarde publicada em formato de livro (Plato: Clitophon, Edited with Introduction, Translation and Commentary. Cambridge, 1999). Os outros frutos principais viriam a ser (1) a monumental obra de Gerard Boter sobre a tradição textual da República (The Textual Tradition of Plato’s Republic. Leiden, 1989), que resultara da sua tese de doutorado orientada por Slings; (2) as notas de crítica textual (exclusivamente dedicadas à República) publicadas como artigos por Slings, entre 1998 e 2003, na revista Mnemosyne e postumamente coligidas numa monografia publicada como suplemento dessa mesma revista (Critical Notes on Plato’s Politeia. Leiden/Boston, 2005); (3) a já referida edição crítica do texto da República, publicada por Slings em 2003. Finalmente, passarei a cotejar as duas edições e causa, recorrendo, para tal, a um conjunto de problemas textuais paradigmáticos que ilustrem divergências relevantes para o sentido do texto.
Mesas-redondas
Verdade e mentira nas fábulas segundo Platão
Celso de Oliveira Vieira, Filosofia, UFPA
Em 377a Sócrates diz que as fábulas (mythos) são, no todo, falsas, mas possuem, alguma verdade. Diante dessa falsidade geral, a tentativa será de entender melhor onde estaria, de que modo se apresentaria e de que tipo seria essa verdade. Para tanto, será necessário tentar responder se falsidade e verdade podem ocorrer num mesmo lugar e, se a resposta for afirmativa, de que tipo é a sua relação. No âmbito dos conceitos de pano de fundo será preciso verificar se há uma teoria da correspondência da verdade ou não e uma teoria do conhecimento por contato ou proposicional. Essas respostas permitirão identificar se verdade e falsidade possuem o mesmo objeto e qual é o objeto de uma fábula. Todo esse percurso deve gerar uma concepção de fábula condizente para ser o primeiro instrumento educacional na formação das crianças.
Fernando Pessoa leitor de Platão
Cláudia Vilarouca, Letras, UFPA
Em 2005, com a obra de Fernando Pessoa em domínio público, leitores e pesquisadores têm se beneficiado de múltiplas edições de sua obra. Muitas acrescentaram leituras críticas renovadas e outras trouxeram a lume textos do poeta até então desconhecidos do grande público, favorecendo, ainda, a investigação de aspectos menos contemplados de sua obra. Um deles é a leitura e a crítica que F. Pessoa faz de Platão, encontradas em fragmentos esparsos, cuja apresentação é a proposta deste trabalho. Intenta-se, com isso, levantar algumas hipóteses de leitura acerca da influência platônica na obra do poeta português.
Conhecimento, arte e formação na República de Platão
Damião Bezerra Oliveira, Educação, UFPA
Waldir Ferreira de Abreu, UFPA
Investiga-se qual a relação entre arte, formação e política na obra República, de Platão, e de que modo os pressupostos gnosiológicos platônicos esclarecem as tensões nessa relação. Busca-se reconstruir os argumentos centrais de Platão que sustentam a sua crítica à educação mitopoética. Defende-se a hipótese que Platão, na República, reconhece o potencial formativo da arte, especialmente da poesia, embora por razões de fundamentação ontológica e gnosiológica tenha que subordiná-lo à filosofia. A natureza dos questionamentos e os objetivos da pesquisa, exigiram a consulta de fontes bibliográficas, para cuja análise e interpretação foram utilizadas técnicas hermenêuticas de leitura de textos, com destaque para a apreensão dos sentidos dos conceitos essenciais na sua proveniência grega. Procedeu-se à explicação e ao comentário das obras República, mas também de Íon e Hípias Maior e da literatura crítica, que foram selecionadas como mais significativas entre as fontes levantadas, tendo em vista o problema de pesquisa. A análise conceitual e reflexiva mostrou ser a cultura mitopoética um componente indispensável à formação, na obra platônica analisada, embora insuficiente, por si, para atingir o ideal de educação que se expressa pelos conceitos de verdade, bondade e beleza. Somente a filosofia, por superar os encantos da linguagem, da sensibilidade e do mundo sensível, poderá entender os limites e possibilidades da arte, especialmente daquela que usa a palavra. Assim como a cidade justa só seria possível pelo equacionamento do rei e do filósofo, não é admissível um verdadeiro poeta que não seja filósofo.
A Recepção da República de Platão na Renascença
Jonathan Molinari, Filosofia, UFPA
No importante processo de redescoberta da cultura grega que caracteriza a Renascença italiana, o estudo da recepção da República de Platão merece particular atenção. O platonismo da idade média não conhece diretamente as obras de Platão, mas a partir do século XV a situação muda radicalmente. A primeira tradução da República em latim foi feita para Emanuele Crisolora e Uberto Decembrio em 1402. A importância e a influência deste texto de Platão para o pensamento político renascentista foi determinante. Por isso já em 1441 foi feita uma nova tradução para Pier Candido Decembrio, melhorada três anos depois por Antonio Cassarino. A quantidade de traduções feitas em poucos anos demonstra a urgência histórica e filosófica que a redescoberta de Platão gerou na cultura italiana do século XV. Isto demonstra também a relação profunda entre filologia e filosofia que caracteriza o pensamento renascentista, consciente da natureza histórica e convencional da linguagem e de todas as formas da cultura humana. Em 1484, com toda a agudeza do grande filólogo e filosofo, Marsilio Ficino realiza a melhor edição com comentários da República: é nesta edição que a cultura Europeia pode finalmente descobrir a grande obra de Platão. Com o titulo De republica vel de justo dialogi decem – Dialogo sobre a justiça, a tradução de Ficino terá uma influencia fundamental em toda a cultura europeia, especialmente na França, desde Etienne Pasquier, à Roland Pietre e a Jehan de la Madelein, até influenciar uma “nova” République, aquela de Jean Bodin.
A recepção de Hipólito na República
Jovelina Ramos, Filosofia, UFPA
A retomada do quarto estásimo de Hipólito, possibilita pensar a representação de eros na composição da teoria platônica das paixões. Na tragédia de Eurípides, os efeitos do par Eros-Afrodite, no psiquismo dos que são dominados pelo seu poder, causam desestrutura e levam os personagens (Afrodite, Ártemis, Fedra, Hipólito, Teseu) a agirem de maneira ambígua e insensata, elementos que aparecem ressignificados, na caracterização da estrutura tripartite da alma, no livro IX da República. O fio condutor da análise pretendida é a noção de akrasia, resultante de uma alma desgovernada e incapaz de mediar o conflito entre as distintas dimensões de desejo e prazer, deixando-se tiranizar pelas paixões das mais variadas naturezas, como amor, desejo, ódio, ciúme, vingança, ambição, configurações da desmedida, dos desatinos e das transgressões pertinentes a deuses e homens, no escopo do drama euripidiano; enquanto no drama platônico, concentram-se na imagem do homem tirânico cuja alma encontra-se tiranizada pela ordem de desejos e prazeres instintivos e impulsivos.
Aporía, fogo e arte: a gênese do Prometeu moderno
Luiz Maurício Bentim da Rocha Menezes, Filosofia, UEAP
A partir do Mito de Prometeu no Protágoras de Platão, o trabalho tem o intuito de investigar a aporia, posta por Epimeteu, sobre a humanidade e a solução de Prometeu através do roubo do fogo e da téchne divinos. A aporía é um elemento de perplexidade que impulsiona a filosofia a buscar soluções para as suas questões, sendo um desafio imposto ao filósofo. No caso desse mito, a aporía se resolve no ensino das téchnai aos homens, o que faz de Prometeu um filósofo divino capaz de abrir a passagem, dar o recurso, o póros, à humanidade, mesmo que sua atitude tenha o condenado aos grilhões inquebrantáveis de Hefesto. Será essa mesma atitude prometeica do homem pelo avanço da ciência e das artes, que levará à gênese do Prometeu Moderno e também a sua condenação.
A polêmica physis-nómos no tratamento concedido às mulheres em República V
Maria Aparecida de Paiva Montenegro, UFC
Como agudo leitor e comentador d’A República, Marcelo Marques não cansava de reiterar o caráter de pára doxa que marca todo o diálogo, a começar pela proposta de Sócrates de construir, em palavras, uma cidade justa; uma imagem, portanto, mas que, todavia, deve servir como modelo para se examinar as práticas políticas de uma cidade de fato. Com efeito, Sócrates é instado por seus amigos a defender uma tese das mais improváveis - seja na opinião de sofistas como Trasímaco, seja para homens que apreciam a investigação, como Glauco e Adimanto. É por meio desse desafio imposto a Sócrates por seus amigos - defender a vantagem da justiça sobre a injustiça – que Platão traz à tona o polêmico debate physis X nómos, lançado pelo movimento sofista no século V aC. Nesse sentido, o diálogo apresenta o esforço de Platão para desconstruir, também com palavras, a opinião da maioria, segundo a qual a justiça, de acordo com a natureza, seria o predomínio do mais forte sobre o mais fraco e, pela lei, um acordo entre os cidadãos para evitarem sofrer injustiças. Para tanto, apresenta uma outra concepção da relação entre natureza e lei, tal que esta encarregue-se de fazer valer aquela, ao invés de ambas se oporem entre si. Nesta comunicação, pretendo, inspirada pelas leituras de Marcelo, abordar o modo como a inversão da oposição physis – nómos aparece na questão do tratamento a ser concedido às mulheres na cidade justa, na primeira parte de República V.
Platão e More: Kallípolis x Utopia: vicissitudes de uma recepção
Maria do Socorro da Silva Jatobá, Filosofia, UFAM
Thomas More, na carta de apresentação de Utopia, compara Rafael Hitlodeu a Platão e Ulisses. Enigmática comparação. Por quê os compara, que tipo de vínculo estabeleceu entre Platão e Ulisses, o herói de múltiplos ardis, e entre ambos e seu personagem? A partir desses questionamentos, o trabalho tem por escopo discutir a leitura que More fez de Platão ao relacionar seu personagem ao filósofo grego, destacando possíveis aproximações e distanciamentos entre a República e a Utopia de Thomas More. Para tanto discutiremos o problema da influência e o conceito de utopia que, embora criado por More, passou a ser indiscriminadamente aplicado à República. Pretendemos problematizar o uso retroativo do termo e discutir os aspectos que More tomou, talvez por inspiração, do projeto político platônico desenhado na República.
Ajax, o herói dissonante. Honra e vergonha no paradoxo trágico de Sófocles
Maria Elizabeth Bueno de Godoy, Filosofia, UEAP
Ajax, ou Αἴας, “muralha dos aqueus”, nas palavras de Homero, é o herói dissonante no espelho trágico de Sófocles. O ‘melhor depois de Aquiles’ revela toda a tragicidade de sua condição de áristos no paradoxo entre sua areté, excelência humana cantada na tradição, e as impossibilidades de seu reconhecimento, maculada na vergonha de sua queda. A areté, aqui, ultrapassa o mero conceito ético. Desvela-se nas entrelinhas do discurso de Ajax, imortalizado por Antístenes de Atenas, por ocasião do juízo das armas de Aquiles, em que a força do código heroico alerta à tradução dessa excelência em ato: “não decidais acerca da virtude tendo em vista os discursos, porém mais os atos. Pois a guerra não se decide com discurso, mas com atos”. Na trajetória do Ajax sofocliano o páthos trágico repousa precisamente na inadequação de sua honra aos interesses de uma assembleia que julga pelos ouvidos, mais inclinada à persuasão discursiva do que ao reconhecimento inconteste de nobres atos. Pois o rumor corria no acampamento, entre os aqueus, murmurando sobre a predileção por Odisseu. Ultrajado pelos iguais, Ajax é arrastado pela fúria de suas paixões, enlouquecendo e maculando-se em vergonha. Ao reconhece-lo, só lhe resta a morte; não mais uma kalós thanatós, a bela morte. Mas aquela que lhe assegure o mínimo de dignidade: cair sobre a própria espada.
Inação e censura ontológica da poesia em Platão
Otávio Guimarães Tavares, Letras, UFPA
A partir do livro de Arthur Danto, The Philosophical Disenfranchisement of Art, é possível compreender proposta de Platão para a poesia, elaborada na República, como sendo duplamente política e ontológica, i.e., ela propõem não só uma censura política, mas uma censura ontológica para arte, colocando-a fora do alcance do mundo em uma espécie de bolha onde ela não é afetada pelo mundo, e que também não o afeta. Esta visão adquire força a partir da proposta kantiana de juízo de gosto e se estabelece como senso comum a partir do século XIX, constituindo a noção de que haveria dois domínios distintos: o da arte – vista como aisthesis –, e da política, sendo que estes não poderiam, ou deveriam, se encontrar. Esta apresentação pretende apontar para um lugar-limite da poesia – sobretudo seiscentista e contemporânea – que, em seu modo de operar, problematiza a concepção platônica de arte, ao se estabelecer sobre o domínio da ação e do artifício.
Sobre o elogio de Platão à democracia: ou sobre a feira democrática
Ricardo Evandro Santos Martins, Direito, UFPA
Na elaboração do conceito de justiça, Platão projetou a cidade ideal, que seria governada pelos reis-filósofos, únicos capazes de dirigir a Cidade justa. Com isto, é comum dizer que Platão foi um irremediável crítico da democracia, enquanto governo da maioria, que não tem a Sabedoria como virtude predominantemente. Daí é difícil dissociar sua metafísica baseada na Tese dos mundos de sua filosofia sobre o Justo. Pois Platão via o mundo democrático como aquele onde se relativiza o mundo ideal, onde se corrompe o poder até levar à tirania. Então, venho colocar uma problemática aqui, fundamentada por scholars como Altman e Roochnik: Teria sido mesmo Platão um duro crítico total da democracia? A hipótese deste resumo é a de que Platão fez um importante elogio à democracia, numa passagem da República capaz de subverter uma eventual interpretação conservadora sobre seu pensamento, que o coloca como um pensador antidemocrático. Destaco a referida passagem na República, em que Platão, mesmo em meio de acusações do risco da demagogia e do surgimento da tirania no governo democrático, por outro lado, por meio da voz de Sócrates, quando fala das características do homem democrático e das características da cidade democrática, também diz que “[p]ois graças à liberdade reinante, ela [cidade democrática] contém todas as Constituições. Se alguém se dispusesse a fundar uma cidade, como o fazemos neste momento, bastaria dirigir-se a uma comunidade democrática para escolher um modelo do seu gosto, à maneira de quem entrasse num bazar de constituições para remexe-lo e organizar a nova sociedade segundo a amostra preferida” (PLATÃO, 2000, 557d, p. 379). Dessa passagem podemos interpretar que Platão, apesar de criticar a democracia, também parece ter ciência que a tarefa da elaboração filosófica sobre como seria uma Cidade onde a Justiça imperaria só poderia ser feita numa cidade democrática. Pois é na democracia onde há uma mínima liberdade de participação dos cidadãos, vistos como iguais, para se elaborar e se propor a Constituição de uma cidade em que se prefere viver ou se entende por verdadeira. Logo, a democracia não impede, tampouco enfraquece a busca da Verdade. Mas reforça tal possibilidade. A democracia não é somente o lugar dos sofistas, enquanto mestres na arte da persuasão e da relativização da Verdade; ela é também o modelo de governo que dá possibilidade, como uma feira, um bazar, para que haja circulação de argumentos e refutação enquanto método da busca da Verdade.
Platão entre totalitarismo e democracia liberal. Ambiguidades da recepção política da República
Victor Sales Pinheiro, Direito, UFPA
O antiplatonismo político constitui um dos capítulos mais vivos da recepção contemporânea da República de Platão, com destaque para a obra de Karl Popper, A sociedade aberta e seus inimigos (1945), que via nela o primeiro programa totalitário consciente. Defendendo um modelo aristocrático, com hierarquia entre as classes sociais e uma antropologia da diferença psicológica entre os cidadãos, Platão parece figurar como a antítese política radical de todos os valores fundamentais da democracia moderna, com seus ideais de liberdade e igualdade. Como justificar, então, a sua influência duradoura? Essa palestra apresenta a réplica de Charles Griswold, no importante artigo ‘O liberalismo platônico: da perfeição individual como fundamento de uma teoria política’ (in Contre Platon, t. II. Le platonisme renversé, org. Monique Dixsaut, Paris, Vrin, 1995, pp. 155-195), a fim de verificar a (im)procedência dos argumentos de Karl Popper e demonstrar a importância dos argumentos platônicos para a compreensão e defesa da democracia. Para tanto, parte-se da impossibilidade e da não-desejabilidade da proposta política “utópica” da República para a reflexão sobre os “segundos regimes” tratados em Político e Leis, em que uma “democracia constitucional” e um “regime misto” constituiria o regime apropriado, com a prevalência dos instrumentos de persuasão, caráter eletivo de cargos públicos, desaparecimento de uma aristocracia filosófica e defesa da propriedade privada e da família.
Comunicações
Platão e Diderot: uma introdução ao conflito entre a arte e a moralidade
Alberto Oliveira Alcolumbre, Filosofia, SEDUC
Discípulo declarado do pensamento platônico, Diderot é partidário da crítica que o antigo defere à arte de seu tempo, dentre outros, no que respeita a sua interferência negativa na construção da cidade que idealiza. Diderot revisita o problema na modernidade e, a sua maneira, mas de modo muito próximo o de Platão, defenderá, na esteira de Platão que a sensibilidade (ou emotividade), quando não moderada, compromete de modo negativo a sociedade. Diante disso, o objetivo desse trabalho é cotejar os referidos filósofos no intuito de problematizar, de modo introdutório, acerca da relação da emoção com a arte, ou seja, como Platão, na antiguidade, e Diderot, na modernidade, localizam a influência da emotividade dentro da produção artística que, não raro, é apresentada como indissociável. Paralelo ao objetivo principal, o texto convida a refletir sobre o lugar da arte na sociedade.
A recepção da República de Platão nos escritos de 1801 da Doutrina-da-ciência de Fichte: a ideia enquanto impossibilidade ontológica
Arthur Martins Cecim, Filosofia, SEDUC
A recepção da República de Platão nos escritos de 1801 da Doutrina-da-ciência de Fichte: a ideia enquanto impossibilidade ontológica. No presente trabalho, pretendo demonstrar a recepção da República de Platão na modernidade, em especial na filosofia de Fichte, através da relação que Fichte estabelece entre o ver e o absoluto. Em Platão, essa linguagem se traduz na relação entre a contemplação e a ideia, tal como exposto no livro VII que trata do mito da caverna. Para elucidar essa recepção, devemos, sobretudo nos perguntar: de que espécie de visão trata o mito da caverna na República de Platão? Uma visão para a qual não há objeto? Uma visão que não pode ser vista? De todo modo, Platão fala de um ver relacionado à luz, cujos objetos seriam as ideias. Nos escritos de 1801 da Doutrina-da-ciência, Fichte concebe um ver vazio, igualmente sem objeto correspondente no mundo sensível. Ao adotar essa postura, Fichte justifica uma problemática da modernidade: o fato do absoluto não poder ser visto nem intuído, sendo apenas possível ver ou intuir o saber absoluto, o qual o filósofo alemão assemelha a uma luz da razão. Em outros termos, se trata da impossibilidade ontológica de haver uma visão das ideias, visto que estas não são objetos empíricos, o que nos conduz apenas a uma possibilidade: as ideias podem ser apenas acessadas enquanto ideais da filosofia, cuja finalidade maior é o saber. A postura de Fichte ao justificar uma visão puramente filosófica, porque ligada ao saber filosófico enquanto saber absoluto, demonstra uma afinidade com a contemplação platônica, na medida em que reconhece que mesmo que as ideias sejam objetos da razão, elas se reduzem ao conceito de luz interior da consciência, não se constituindo como objetos ontológicos. Nesse sentido, o ver da razão em Platão não se configura como a visão de algo, mas tão-somente uma visão cujo objeto é, na verdade, apenas metafórico, pois é, como a recepção da República em Fichte demonstra nestes escritos de 1801, somente a visão filosófica ou a visão do saber, o qual não é objeto em stricto sensu, mas "objeto" apenas enquanto finalidade da filosofia. Por conta disso, este escrito de Fichte é o que mais assimila a metáfora do mito da caverna na Modernidade, pois adota a mesma metáfora platônica da luz para justificar um saber do absoluto, ou, em termos platônicos, o conhecimento das ideias, conhecimento cujo objeto é o próprio saber. A conclusão é de que podemos apenas pensar um ideal, nunca uma ideia, pois a visão filosófica é aquela para a qual não há visão física e, se há, tal visão física permanece meramente utópica ou ideal.
Androides podem ter consciência? – A questão da alma e da identidade em Platão e Phillip K. Dick
Bráulio Marques Rodrigues, Direito, CESUPA
O presente trabalho parte da leitura de Androides sonham com ovelhas elétricas?, de Phillip K. Dick, para refletir sobre como a questão do ser se apresenta, dialeticamente, na antiguidade grega e na modernidade. Partindo da leitura do Fédon, entende-se que a questão do ser é originariamente correlata à questão da alma, o acesso à transcendência no contemplar (theasasthai) das relações entre as formas tangíveis e as formas intangíveis do conhecimento. Desta contemplação consiste o reconhecimento da alma, todavia, tal como orienta o texto de A República, a contemplação também supera a questão do ser quando tratada em analogia com a questão do bem (A República, VI, 509).
À luz da concepção platônica, pode-se dizer que a consciência parte da percepção do verdadeiro em direção ao moral. Para que este percurso tenha efetividade, a contemplação deve fazer uso da experiência sensível e reportar-se à anámnêsis, a recordação das formas puras de uma existência generalizada, ou seja, onde o ser individual é mortificado, os sofrimentos são suspensos e a verdade é projetada nos termos de uma ontologia formatadora do conhecimento do ser em termos gerais e abstratos. Pode-se sintetizar tal raciocínio na averiguação de que a memória conduz à despersonificação da existência, sendo a alma o berço originário que possibilita, por meio da racionalização, o encontro com a morte e com a atemporalidade que enraízam a essência.
A problemática consiste na reflexão conjunta, com o romance cyberpunk, sobre a contraposição veiculada pela representação moderna do ser. Não mais reduzindo-se à noção de essência, a alegoria do androide parece representar a possibilidade do ser que, mesmo não possuindo memórias genuínas – e que, por sua vez, não possuiria alma – ainda assim poderia fazer uso de uma consciência moral a partir da observação, segundo Dick, da vida e dos sonhos dos outros. O androide aparece, em nosso entender, na figuração do sujeito moderno que, em face do niilismo e da reprodutibilidade técnica, compõe a existência não mais nos termos abstratos e atemporais da essência, mas sim, nos termos concretos e finitos da identidade. Por fim, o estudo dialético visa problematizar o conceito de verdade em Platão e dialogar com a ideia de narrativa.
Platão e as artes
Camila de Souza da Silva, Filosofia, Conexão
A questão do lugar das artes, em geral, é assunto que alimenta uma divergência eterna tanto com os críticos de Platão como entre os plantonistas mesmos. A razão dessa questão parecer não poder ser resolvida é o fato de Platão ser um filósofo com formação poética, além de sempre ter utilizado recursos comuns às tragédias, misturando essas linguagens em suas obras. Por mais que existam passagens na República, como 397c-398a-b, que pode incitar certa discordância no que se refere ao lugar das artes na filosofia platônica, nossa intenção é ponderar que Platão não retira simplesmente os poetas da polis, como se estes fossem incompatíveis com sua república. O próprio Platão “poético” ficaria sem lugar. O que parece estar em questão, para o filósofo, é a manutenção da poesia ou da tragédia como a base para a educação do cidadão, uma vez que os gregos eram educados por essas vias. A leitura que seguiremos, tomando os livros II e III da República, visa mostrar que Platão apenas tenta nos mostrar a necessidade de o cidadão saber o lugar correto e a função da poesia, enquanto objeto de prazer, e o lugar da filosofia, enquanto conhecimento (epistéme) da verdade, mas sem obrigatoriamente escolher entre uma via e outra, afinal, ele mesmo, de uma forma muito interessante, conseguiu juntar as duas vias, a saber, a poética e a filosófica.
A teoria poética de Platão e a resposta de Aristóteles
Fernanda Mattos Borges da Costa, Universidade de Coimbra
No presente trabalho nos proporemos a apontar as objeções de Platão à poesia no contexto de suas obras e, em seguida, as respostas que Aristóteles dá ao desafio platônico ao poeta em sua Arte Poética. Apesar de não possuir um texto ou diálogo dedicado exclusivamente ao poeta criação poética, é possível determinar nos escritos platônicos uma teoria poética, entretecida especialmente dos diálogos da República, Ion, Simpósio e As Leis. Em resumo, Platão levanta quatro objeções à arte poética: (1) ele desconsidera que a poesia seja de fato uma techné, pois está ausente em sua criação uma aplicação racional e uma reprodutibilidade prática, em vez disso a poesia deriva de inspiração divina, e não de experiência prática e conhecimento; (2) a poesia não passa de uma mimese do mundo sensível, logo mera imitação de algo que já é imitação da verdade, portanto não é passível de conhecimento verdadeiro; (3) a poesia abre espaço para destacar e reproduzir a má ação em vez da virtude, concentra-se em erros e tolices em vez da verdade; e (4) a poesia enaltece e faz emergir fortes emoções que não são compatíveis com o balanço de virtudes que um bom cidadão precisa desenvolver. Em resposta a estas objeções, Aristóteles descreve na Poética como a criação poética é capaz de seguir regras racionais, conter conhecimentos que apontam em direção à verdade e, através da catarse, purificar e elevar os sentimentos humanos.
A República platônica e a politéia cínica
Flavio Valentim de Oliveira, Filosofia, UFPA
Muitos comentadores da filosofia antiga ainda discutem sobre a reconstituição tendenciosa das práticas cínicas, ressaltando os aspectos mais escabrosos e repreensíveis do modelo de Politéia, tais como o incesto e a masturbação. Contudo, assim como Platão, Diogénes não deixou de fazer críticas severas aos tiranos, a democracia dos demagogos e até mesmo fez a defesa de uma fraternidade universal entre gregos e bárbaros, entre escravos e homens livres. Não se pode desprezar até mesmo o horizonte libertário do cinismo de Diogénes que, dentre outras coisas, teceu elogios a educação espartana por causa de seus aspectos da autodisciplina e da liberdade feminina. Assim como Platão, Diogénes também empreendeu importante reflexão sobre o conteúdo da raiva na alma grega: embora a cólera pública determinasse o exercício de parresia do cínico, ou seja, de alguém que se arrisca não por seus discursos, mas por sua própria vida. O caso é que essa fama escandalosa dos cínicos como homens que tinham a coragem de dizer e viver a verdade, mas que se deixavam guiar por valores ferozes, que eram vistos como filósofos impiedosos e até mesmo violentos, tem fontes históricas de rivalidades. Nosso propósito é aproximar a República de Platão com a polêmica obra Politéia, uma obra em que ainda se discute a autenticidade de autoria a Diogénes, o cínico. Em todo caso, apesar das dificuldades das fontes históricas, encontramos na politéia cínica o problema da antropofagia e outros temas tabus como deixar o corpo sem túmulo para ser convertido, novamente, à terra. Em todo caso, é indubitável que essa obra platônica deixou marcar indeléveis no cinismo (ora em suas afinidades, ora em suas divergências) e na formulação das utopias políticas do mundo antigo.
A recepção foucaultiana sobre a democracia e parrhesia na República de Platão
Héden Salomão Silva Costa, Filosofia, IFPA Santarém
Na Aula de 9 de Fevereiro de 1983 Primeira Hora do Curso intitulado O governo de si e dos outros proferido por Michel Foucault no Collège de France ele recepciona às práticas da democracia e a crítica que Platão faz a mesma; com efeito, sem oferecer muitos detalhes sobre o texto do filósofo grego nesta Aula, uma vez que, Foucault tenta compreender à crítica em que o autor da República faz sobre a forma de governo pelo qual se estabelece em Atenas que é justamente à democracia. Pois bem, mencionar esse tal regime sem descrever um conceito fundamental para Foucault no qual é inerente às práticas de governo – ou seja – o conceito de parrhesia, isto é, terminologicamente mencionando a perspectiva do falar francamente, requer uma postura técnica no uso do termo que era usado correntemente como práticas de si mesmo na Antiguidade, ao passo que, tal técnica vai ser fundamental no uso retórico do falar livremente no processo democrático em que Platão menciona na República como o homem democrático. Neste caso, o professor do Collège de France nos evoca a origem dessa prática de governo na qual se encontra no Livro VIII da República de Platão (557a-b) onde acontece a passagem da oligarquia à democracia. Neste sentido, não interessa a Foucault elaborar outra teoria sobre Platão, porém, compreender a riqueza conceitual que está impressa na República como forma de governamentalidade no uso racional a respeito da política da época em que o filósofo grego presentificou em sua sociedade.
Nietzsche leitor de Platão: corpo, saúde e política
Julie Christie Damasceno Leal, Filosofia, IFPA Abaetetuba
Com o propósito de desconstruir a imagem que se tem de Platão enquanto completo antípoda de Nietzsche, o presente trabalho visa, acima de tudo, demonstrar que existem possibilidades de aproximação entre os dois filósofos, especialmente pelo ponto de vista da saúde e dietética do corpo presentes em excertos dos livros III e IV de A República, de Platão, nos quais discorre acerca de uma união entre corpo e alma pelo viés da educação física e vida política, e nos escritos de Nietzsche, desde os textos de juventude até os de maturidade, onde apresenta o corpo como fio condutor de sua filosofia. Nesse sentido, a leitura que Nietzsche, desde cedo, empreendeu de Platão encontra-se permeada de questionamentos e elogios, uma vez que, por um lado, Platão em algumas de suas passagens coloca o corpo sob dependência da alma, nutrindo, assim, desconfiança em relação à sensualidade e a exacerbação das paixões, mas, por outro, evidencia, como filósofo político que foi, o instinto agonal dos gregos expressos pela ginástica, oratória e, principalmente, pelo combate político. O mais relevante dessa discussão é demonstrar, sobretudo, a importância da dimensão política da filosofia platônica, segundo a perspectiva nietzschiana, perpassando a constituição da cidade ideal platônica até o âmbito do corpo e sua dietética, os quais influenciaram o projeto de Nietzsche no que se refere a “grande política”.
Da Tragédia à República – A justiça platônica e a solução do conflito trágico
Lucas do Couto Gurjão Macedo Lima, Direito, UFPA
O presente trabalho tem como objetivo discorrer sobre a passagem do gênero trágico para a filosofia apresentada por Platão, tendo como enfoque específico as concepções de justiça referentes a cada um desses períodos, elucidando, ainda, de que maneira o pensamento platônico ofereceu uma solução para a querela trágica. Compreende-se aqui a tragédia grega como a expressão de uma oposição fundamental de racionalidades distintas e em muitos pontos antagônicas, conforme aponta MacIntyre. O gênero trágico, portanto, suscita questionamentos acerca da dualidade moral existente na Atenas do século V, a qual se encontrava dividida entre a sua história, com a moralidade das narrativas de Homero, e o seu futuro, na figura da concepção de justiça originária do surgimento da pólis. O drama confronta o passado e o presente, inquietando, questionando. A tragédia decorre precisamente desta dualidade. O homem trágico, portanto, é aquele que se encontra entre dois preceitos de racionalidade, um que constituí herança histórica de sua sociedade, e o outro que o impulsiona para o futuro. O que os dramas trágicos fazem essencialmente, ao opor as duas concepções conflitantes de justiça, é tecer questionamentos sobre qual delas deve-se seguir.
Segue-se que com o advento da filosofia platônica a querela fundamental que caracterizava o período trágico se extingue, na medida em que a concepção de justiça esposada pelo autor, presente em sua obra “A República”, passa a ocupar o lugar antes disputado pela racionalidade de esteio homérico e aquela proveniente do advento da pólis como forma de organização social.
Platão, assim, firmaria a sua filosofia no lugar que era anteriormente ocupado por duas concepções de justiça distintas, simultaneamente válidas e inválidas, encerrando, portanto, a dualidade conflituosa elementar que caracterizava o gênero, e o homem, trágico, ao oferecer sua concepção de justiça filosófica. Percebe-se, portanto, o porquê da tragédia, conforme aludido por Vernant, se eclipsar no século IV quando a filosofia triunfa, ou seja, quando a dualidade se extingue, e se chega a um único preceito racional e, consequentemente, uma única concepção de justiça, estes pautados pelo pensamento filosófico. Pretendemos, desse modo, discorrer sobre as concepções de justiça em questão, quais sejam, a homérica, aquela proveniente do surgimento da pólis e das mudanças sociais que essa acarreta, as quais se encontram no cerne da dualidade trágica e caracterizam sua natureza conflituosa, bem como da justiça platônica, conforme exposta na “República”, versando ainda sobre a relação existente entre essas formas de racionalidade.
Ecos da dupla noção de mímesis da República na Poética de Aristóteles
Luiz Filipe Pelaes de Sá Seixas, Filosofia, UFPA
Northrop Frye chama a atenção para a formação, ainda na poética clássica, de duas tendências de abordagem da literatura que perpassam toda a história da crítica. A primeira tendência seria a estética, que toma forma individual pela primeira vez com Aristóteles e corresponde à visão da literatura como produto; a outra é a criativa, que se forma a partir de Longino, correspondendo à visão da literatura como processo. Este artigo tem como meta evidenciar as afinidades entre a visão aristotélica da literatura e as considerações sobre a poesia feitas por Platão na República. Quais são as principais características da linhagem aristotélica da crítica literária? Quais são as contribuições de Platão para a formação dessa tendência perene da crítica? A hipótese que sustenta este artigo é a de que as diferentes considerações que Platão faz a respeito da poesia correspondem a diferentes abordagens da literatura. Essa hipótese tem a vantagem de mostrar que a suposta contradição entre as considerações de Platão é meramente aparente, uma vez que só poderia haver contradição se elas estivessem todas no âmbito da mesma abordagem, isto é, das mesmas categorias ou estruturas significativas. O presente artigo, no entanto, enfatiza as contribuições de Platão para a abordagem aristotélica desenvolvida na Poética. Aventa-se que a principal contribuição de Platão reside no seu desenvolvimento da visão da poesia como mímesis. O testemunho dessa influência se verifica no fato de Aristóteles, apesar da tentativa de unificação, deixar transparecer, em passagens diferentes, a noção dupla de mímesis herdada de Platão, isto é, de mímesis como atuação, encontrada nos livros II e III, e a noção de mímesis como produção de imagem, presente no livro X da República.
Íon e República: concepção de técnica e arte em Platão
Márjore Mariana Lima Lacerda, Filosofia, UFPA
O seguinte trabalho pretende enfocar em dois diálogos platônicos: Íon e República. Procuraremos demonstrar de que maneira a noção de técnica (arte/habilidade) é articulada no decorrer do primeiro diálogo, assim como evidenciar que, no Íon, o filósofo Platão aborda certas premissas do que será trabalhado na República, como o princípio de especialização em meio às técnicas, com uma diferença: enquanto na seguinte obra, a análise recai na esfera ético-política – já que a concepção de técnica repousa no principio de individuação, onde cada indivíduo dentro da cidade somente é capaz de exercer bem uma única função -, no Íon o exame apresenta um viés epistemológico: cada técnica tem seu objeto ou um grupo de objetos específicos, sendo a especialização do conhecimento necessária para a qualidade da atividade realizada. Nesse sentido, podemos ainda nos indagar: qual o motivo de Platão apresentar um mesmo assunto sobre duas perspectivas? Não podemos supor que seja reflexo dos diferentes estágios da evolução de seu pensamento. Desse modo, nossa resposta assenta-se sobre a suposição de que embora sejam usados distintos recursos estilísticos para explicar um único conceito, acreditamos que os diálogos foram escritos em diferentes momentos literários, e que, por isso, devem respeitar seu próprio contexto dramático.
O Banquete à luz da psicologia da República
Matheus Jorge do Couto Abreu Pamplona, Filosofia, UFPA
Tomando como ponto de partida o passo 205d do Banquete, em que vemos ser estabelecido que há uma multiplicidade de amantes cujo desejo direciona-se a diferentes tipos de objetos, tais como o dinheiro, os esportes, e a sabedoria, procuraremos discutir, ainda que de modo exploratório, se a referência a esta tripartição funcional nos permite reconciliar a doutrina de Diotima acerca do desejo a um outro tipo mais específico de tripartição, presente principalmente nos livros IV e IX da República, a tripartição da alma.
La lejanía de la verdad desde el arte mimético en La República
Rafael Antonio Zúniga Mejia, Filosofia, UFPA
En los libros III y X de La Republica, Platón establece con claridad por que los poetas miméticos no son aceptados dentro de la ciudad Estado y por qué estos son considerados lejanos de fomentar la idea de bien. En el presente trabajo, se describirá cuál es el argumento principal de Sócrates cuando dialoga con Adimanto y Glaucon dirigido hacia una legitima solución del por qué los artistas que imitan la realidad, utilizan un lenguaje indebido para los guerreros y demás ciudadanos que viven en la Polis. Se describirá como esta situación alimenta nada más debilidades y malos pensamientos, lo que impide una búsqueda hacia las virtudes. También se explicará por qué el arte mimético es la condena de los pintores y poetas en la sociedad utópica de La Republica, y por qué el arte mimético se orienta según Platón hacia las costumbres insanas del alma. Además se explicaran las connotaciones que esto tiene en las prácticas morales dentro de una sociedad orientada hacia la búsqueda de la idea de bien.
A luz do bem e o brilho do belo: aproximações entre o Fedro e a República?
Rafael Davi Melém da Costa, Filosofia, Escola de Aplicação da UFPA
Nosso propósito é refletir sobre as condições de cognoscibilidade e inteligibilidade para Platão, com ênfase no ver e no visível como imagens para o conhecimento e a intelecção, a partir do contexto discursivo da luz do bem (República VI) e do brilho do belo (Fedro).
A noção de imagem, nos livros VI e VII, da República
Renata Augusta Thé Mota Carneiro, UFC
A presente comunicação tem como objetivo examinar a noção de imagem na República, nos livros VI e VII, nos quais ocorrem uma grande incidência dos termos relacionados à imagem como eikon, eidólon, skiá e phántasma. No livro VI, encontramos a imagem do sol e a imagem da linha. Nesse livro localizamos uma grande incidência dos termos relacionados à imagem. Identificamos aqui um referencial teórico de grande valia para respaldar uma abordagem a respeito de uma possível “teoria da imagem” em Platão, mesmo que ele não afirme e não defina o seu interesse em abordar um conteúdo puramente imagético no referido livro. Ele faz uso das imagens para dar conta de tratar assuntos que são de difícil entendimento. No livro VII, ocorre também uma abordagem bastante enfática dos recursos imagéticos, utilizando amplamente termos relacionados à imagem. A começar pela imagem da caverna que une a paidéia a um conteúdo imagético. A imagem é figurada como recurso pedagógico privilegiado e Platão a utiliza abundantemente nesse livro. Eikon é o termo mais utilizado nos livros VI e VII para referir-se a imagem. A definição do termo é ampla, pode ser entendida como imagem, como reflexo, como representação por imagens, como quadro e em alguns casos como semelhança (entre dois ou mais objetos ou entre duas ou mais imagens). Alguns estudos, sobre Platão, colocam a imagem apenas como fonte de engano, ou de mero reflexo sem nenhuma importância maior, porém, neste estudo das imagens procuramos demonstrar que elas vão além dessa perspectiva. Elas podem, sim, ser fontes de engano, mas por outro lado são necessárias e imprescindíveis para que tenhamos a possiblidade de sairmos da dóxa e nos aproximarmos o máximo possível da verdade.
A imagem feminina no Banquete
Sandy Naeli Wanderley Iketani, Filosofia, UFPA
O trabalho visa estabelecer aproximações e distanciamentos entre os discursos de Diotima, Pausânias e Agaton na obra O Banquete de Platão, que desenvolve-se em torno de duas instituições sociais gregas majoritariamente masculinas: o symposion e a paiderastia. Diante disso, procuraremos abordar em que sentido os preceitos de Diotima em relação à paiderastia diferem dos defendidos pro Pausânias e Agatão, e em que sentido se aproximam pela limitação da procriação no belo estar destinada apenas ao relacionamento entre homens. Buscaremos, também, refletir sobre Platão ter designado à autoridade de uma mulher os ensinamentos acerca de Eros, que introduz a noção de procriação e geração em detrimento da penetração fálica. Deste modo, procuraremos ponderar em que medida a inserção de Diotima no diálogo platônico, assim como seus ensinamentos, subvertem as tradicionais instituições gregas.
Programação Cultural
Leitura Dramática de Prometeu Acorrentado
Iracy Rubia Vaz da Costa, Artes, Escola de Aplicação da UFPA
Leitura de excertos da tragédia Prometeu Acorrentado de Ésquilo.
Performance Prisioneiro Acorrentado
Robson Farias Gomes, Filosofia e Dança, UFPA
Prisioneiro Acorrentado consiste numa abordagem reflexivo-artístico-performativa do livro VII, da República de Platão. Os parâmetros teórico-práticos que nortearam esta investigação foram dois, a saber, (1) abordagem teórico-reflexiva fundamentada no diálogo platonico e A Caverna de Saramago, enfocando aspectos da condição de escuridão, a luz como verdade na filosofia platônica, aspectos performativos da dramaturgia grega na construção de uma filosofia política, o trajeto rumo à exterioridade da caverna, o caminho do sol e o jogo entre luz e sombra; (b) abordagem prática baseada no pensamento-fazer da Dança Imanente, de Ana Flávia Mendes e Redes da Criação, de Cecília Salles que, na idiossincrasia do corpo que performa, considera teorias e alegorias como impressões indutoras na construção da obra de arte. Deste modo, a partir destas abordagens, nesta performance é realizada uma “corpografia” da obra platônica metaforicamente por um “teatro de sombras”.